Por muito tempo a Psicologia focou no cuidado com o adoecimento psíquico. Para se estabelecer como ciência e profissão, foi necessário criar todo um arcabouço teórico e metodológico que pudesse dar conta desse campo. O sofrimento mental passou a ser diagnosticado e tratado. Uma série de terminologias e classificações diagnósticas foram desenvolvidas para identificar, de maneira cirúrgica, os transtornos mentais e, a partir daí, propor tratamentos mais adequados. Ao longo dessa trajetória, pouco – ou nada – se falou sobre como desenvolver-se de maneira saudável. A Psicologia Positiva, na década de 1990, foi pioneira em se concentrar na promoção do bem-estar com foco nas forças positivas em vez de focar nas patologias, o que trouxe novas perspectivas de cuidado.
Nessa mesma década, Jeffrey Young criou um modelo de psicoterapia chamado Terapia do Esquema, introduzindo o conceito de modos. Modos são estados mentais atuais (do ‘aqui e agora’) que compõe o self. Em um sistema saudável, os quatro grupos de modos operam de forma flexível e integrada, vou falar brevemente deles a seguir.
O Modo Adulto Saudável é o lado capaz de autorreflexões e de se comportar equilibradamente entre o atendimento das próprias necessidades e dos outros. Os Modos Criança refletem nossas emoções e são ativados quando necessidades emocionais básicas (afeto, segurança, expressão das emoções etc.) não são atendidas, refletindo experiências do passado. Os Modos Crítico Interno são aqueles que internalizaram mensagens críticas dos nossos pais, cuidadores e da sociedade em geral, gerando autocobrança e autocrítica. E por fim, os Modos de Enfrentamento Desadaptativos, que são partes de si desenvolvidas na infância e adolescência como proteção contra situações prejudiciais. Por exemplo, uma criança com experiência de abandono pode desenvolver um lado evitativo, que opta por não mergulhar em relacionamentos afetivos com medo de repetir a experiência infantil.
A Terapia do Esquema se propõe a trabalhar com estratégias e técnicas diferentes para cada modo. Fortalecemos o Adulto Saudável; atendemos às necessidades emocionais dos Modos Criança (incluindo o estabelecimento de limites); combatemos e/ou negociamos com o Crítico Interno e confrontamos os Modos de Enfrentamento Desadaptativos.
Essa divisão em partes cria um campo propício para entendermos como funcionamos e por que agimos de determinada maneira. Quando isso acontece, fica mais claro entender onde está o Adulto Saudável que vamos fortalecer, o lado mais maduro da nossa personalidade, que protagoniza a tomada de decisões importantes para uma vida adulta mais satisfatória.
A grande maioria de nós se deparou com experiências e aprendizados de outras pessoas que serviram de modelo e proporcionaram o desenvolvimento desse lado, o qual, entre outras características, consegue: estabelecer limites, conectar-se com as emoções, ter consciência das próprias competências, lidar com tarefas da vida adulta, cuidar de si e além de si, engajando-se socialmente e contribuindo para a coletividade.
É fundamental ter a clareza que a psicologia vem se transformando e se desenvolve procurando trazer cada vez mais cuidados coerentes com a sociedade contemporânea. E cabe ressaltar, que qualquer intervenção psicológica pressupõe a construção de um vínculo terapêutico seguro, fundamentado na noção de que somos essencialmente seres sociais. Estamos aqui – com o outro – e a partir dele nos vemos refletidos. Que possamos cultivar e refletir no outro esse Adulto Saudável e, assim, contribuir para uma sociedade onde as palavras ternura e cuidado possam prevalecer.
Rodrigo Pazzinatto
Terapeuta do Esquema – CRP 04/60681
